segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Recrutamento sem Noção


Olá pessoal, uma leitora e amiga em um comentário deixou o link de um artigo de 1999 que achei ainda bastante atual e resolvi colocar aqui na íntegra. O artigo é realmente muito interessante e para alguns pode até ser analisado como engraçado. No fundo acho que é mais um artigo para todo profissional de RH ler e refletir!

Espero que gostem e claro, se tiverem uma situação parecida, conte aqui para nós!

Um abraço e até a próxima...


Nunca tive nada contra as práticas tradicionais da administração de recursos humanos, porém algumas reflexões sobre meu passado profissional trouxeram-me uma constatação: Recrutamento e Seleção transformaram-se em Recrutamento Sem Noção. Por quê? Talvez as situações abaixo respondam a essa pergunta.

Meu primeiro emprego foi numa grande empresa privada brasileira. Recrutado por um anúncio na faculdade, participei de duas entrevistas com gerentes. Antes da entrevista definitiva com o diretor, aplicaram-me um teste de raciocínio lógico: eram 60 minutos como tempo máximo para as respostas, impreterivelmente. Quinze minutos foram suficientes para que eu completasse o teste, provavelmente com elevado índice de acertos, o que transformou o encontro com o diretor num procedimento para cumprir tabela.

A vaga era minha e todos me respeitavam. Graças às fofocas do departamento pessoal, a empresa inteira sabia que nunca ninguém respondera ao teste tão rápido e com tantos acertos como eu. O que a empresa não sabia é que na semana anterior o mesmo teste me havia sido aplicado no Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva (CPOR), e que minha boa memória me permitiu lembrar rigorosamente de todos os "raciocínios lógicos" necessários à sua resolução. Que tal?

Na minha segunda experiência profissional, o recrutamento se deu por meio de uma indicação. Era uma organização multinacional européia, uma proposta de trabalho interessante, muitos candidatos e uma seleção rigorosa, cheia de etapas. Depois de uma prova de conhecimentos gerais, inúmeras entrevistas e uma dinâmica de grupo, veio a solicitação: "Desenhe uma árvore".

Lápis e papel na mão, coloquei a cabeça para pensar. Há muito tempo eu não desenhava uma árvore (provavelmente desde o momento em que nascera), entretanto fui capaz de reproduzir a figura de um livro didático da época de colégio. Depois de admitido, revelaram-me: "Sua árvore foi decisiva". Tinha uma copa frondosa, frutos e até uma graminha no chão (que deveriam significar algo como espírito de equipe, trabalho agregador, visão de longo prazo e senso de realidade). Mas e se eu não tivesse me lembrado da macieira de Isaac Newton no livro de física?

Ainda houve um terceiro processo de recrutamento sem noção em meu caminho. Era um grande banco de investimentos, cujas necessidades eram perfeitamente satisfeitas por meu perfil. Todos os contatos foram muito objetivos, as entrevistas realizadas em inglês e, logo antes da derradeira reunião com o presidente, a surpresa: uma folha em branco prontinha para que eu assinasse meu nome.

Meses depois, empregado e enturmado, pude finalmente perguntar sobre o episódio da assinatura e seu significado. Explicaram-me em detalhes a importância da análise grafológica, porém o que realmente tinha chamado a atenção em minha assinatura fora a forma como ela terminava, num traço ascendente. Era típico de pessoas com espírito empreendedor, cheias de disposição e iniciativa. Mas era típico também de pessoas cujo sobrenome termina com acento agudo! Ou seria eu uma pessoa totalmente diferente se os italianos da família Bonfá não tivessem adotado o acento como forma de preservar a pronúncia correta do nome no Brasil?

Felizmente (para mim), as situações tênues que vivenciei sempre conspiraram a meu favor nos processos de seleção. Só que tudo poderia ter sido diferente: anos de estudo, dedicação e experiência escoando pelo ralo sem razão aparente. Quantos de nós não estamos sujeitos a isso diariamente em nossas profissões?

Dessa forma, talvez só nos reste combater a sensação de impotência e conformismo assumindo o fator sorte como determinante em nossas carreiras. E como toda crítica honesta deve ser construtiva, fica aqui a sugestão aos responsáveis pelo recrutamento sem noção: par ou ímpar, palitinho, dados e - em caso de empate - análise do currículo de cada candidato.

Mas atenção: mesmo a análise do currículo deve obedecer a metodologias científicas, sendo crítica, justa e imparcial. Que tal pedir a algum dos colegas de RH que suba no telhado da empresa e jogue os documentos para você? Sem noção por sem noção, basta esticar os braços pela janela e ver se o melhor candidato cai em suas mãos.


* Paulo Bonfá é administrador, economista e integrante do grupo humorístico Sobrinhos do Ataíde

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